Nos dias 21, 22, 23 e 24 de outubro o público do Theatro São Pedro testemunhou a estreia de três óperas novíssimas. O espetáculo, que surgiu do Atelier de Composição Lírica, colocou em cena-musical distintas facetas de temas atuais: EnTre(CacOS) de Marina Figueira e Isabela Rossi, em que o cinismo contemporâneo é objeto central; A fome dos cães, com libreto denso sobre a fome escrito por Carina Murias e música igualmente densa de Willian Lentz; a ópera O Presidento de Gabriel Xavier e libreto de Lara Duarte.
Foto: Heloísa Bortz. Divulgação: Theatro São Pedro / Santa Marcelina Cultura
O libreto de Lara Duarte projeta uma inquietação comum àqueles que veem com pouco otimismo promessas de reformas sociais desassociadas de um programa político que, sem sombra de dúvidas, é de fato progressista. O presidente se elege ao firmar um compromisso com a defesa dos direitos LGBTQIA+. Fato é que ele assume uma política econômica liberal, corporativista e seletiva – suas promessas soçobram no momento em que o poder presidencial transforma sua perspectiva de ação. Nesta espécie de farsa ou inversão, busca-se uma transformação do verossímil ao absurdo: primeiramente, uma exaltação legítima da defesa dos direitos, em um segundo momento, o uso deste meio para um fim totalmente contraditório. Segundo Camila Fresca, em artigo da revista Concerto, a ópera "O Presidento discute questões de gênero candentes de forma irônica, no limite entre encampar um discurso radical e apresentá-lo de forma sarcástica. [...] Musicalmente arrojada (sem ser hermética) e dinâmica, vai alternando climas à medida em que a ação se desenrola.".
Katharina Gross estreou no Gaudeamus Festival a obra Plastic Eardrums para violoncelo e eletrônica. A composição eletroacústica mista — em que música instrumental e eletrônica se fundem numa linguagem híbrida — foi resultado de uma colaboração no projeto CelloMondo, voltado à difusão de Música Nova para violoncelo. Segundo a idealizadora do projeto, a violoncelista austríaca e holandesa Katharina Gross, "é empolgante navegar por uma multiplicidade de mundos sonoros, aprender a língua materna de muitos compositores e contar suas histórias ao público". Para mais informações, acesse o site do projeto: CelloMondo
Foto: Lucas Kemper. Divulgação: Gaudeamus Festival
Plastic Eardrums apresenta uma estrutura harmônica gerada aleatoriamente (como nos processos caóticos da natureza) controlado por esquemas flexíveis (frequentemente guiados pela audição) de organização sintática. Oposição entre Natureza e Humanidade: a primeira segue suas próprias leis, a última é construída através de processos sociais e históricos. O desmembramento das gravações de violoncelo na eletrônica (por síntese granular) espelha, de maneira diferente, o mesmo processo descrito anteriormente. A mistura de violoncelo ao vivo e transformado mostra as múltiplas perspectivas de audição: os tímpanos (eardrums) vibram com a membrana elétrica de plástico ou com o som feito pelo ser humano?
Nos palcos do Auditório Claudio Santoro, o sexteto Será Canto à Fantasia? foi estreada pelo inovador Percorso Ensemble, sob regência de Ricardo Bologna. Nesta primeira edição de verão do conhecido Festival de Inverno, as obras foram trabalhadas em mesa redonda sob a orientação da compositora Clarice Assad (Brasil/EUA) e do compositor e clarinetista Derek Bermel (EUA).
Fotografia: Fabio Scucuglia. Saiba mais: Festival Campos do Jordão
A composição de Será Canto à Fantasia? se desdobrou da intemperança carnavalesca de diferentes forças musicais. A clave de Funk da década de 2000 se funde ao Pop de Billboards reificados em paralelo aos objetos sonoros, as fantasias naturais, derivados da análise espectral do porco e do tucano. Ao fim do organizado desfile de sujeitos, a peça se redobra na Roda da Fortuna a partir de processos aleatórios derivados do jogo de Tarot. Toda a suspensão da norma, então, converge no mecanicismo normativo do meta-carnaval reproduzido em telas: quarta-feira de cinzas. Ouça a obra no Youtube.
por Gabriel Xavier
contato@gabriel-xavier.com